sábado, 30 de abril de 2016

CENTRAL


Quando decidi ir mais uma vez ao Peru, desta feita de férias, uma decisão já estava tomada: iria jantar no restaurante Central. Em minha última passagem por Lima, até que tentei, mas não havia mesa disponível nas noites em que lá estive. Assim, com viagem agendada para abril de 2016, enviei e-mail para o restauante no dia 19 de janeiro de 2016 solicitando reserva de uma mesa para duas pessoas para a noite de 11 de abril, às 21:30 horas, quando experimentaria o menu degustação Ecosistemas Mater. No mesmo dia recebi a confirmação da reserva. Detalhe: todo o texto do e-mail estava em português, o que considero uma super gentileza. No ato da reserva, há um campo para você informar suas restrições alimentares. No nosso caso, as restrições eram ostra, espinafre, anis estrelado, pepino e erva-doce. Em 06 de abril de 2016, portanto cinco dias antes de nosso jantar, recebi novo e-mail do Central reconfirmando a reserva, no qual constava as nossas restrições. Outro e-mail, enviado em 10 de abril de 2016, solicitou minha confirmação, informando adicionalmente que a tolerância em relação ao horário era de dez minutos. Eu já estava em Lima e tão logo vi o e-mail, cliquei no campo apropriado para a reconfirmação. Tudo certo para vivenciar mais uma experiência gastronômica, desta vez no restaurante nº 1 da América Latina, segundo a lista Latin America's 50 Best Restaurants 2015.
Como estávamos hospedados no mesmo bairro em que fica o restaurante, Miraflores, resolvemos ir caminhando até lá, pois era uma noite agradável. Chegamos dez minutos adiantados. O Central fica em uma casa de dois andares, em uma tranquila rua. Na porta, um segurança nos saudou alegremente. Havia um grupo de cinco pessoas na apertada recepção. Estavam sem reservas e tinham esperança de alguma mesa terminar o jantar mais cedo. Estavam de olho em uma turma de chineses que estavam bebendo café. Dirigi-me à recepcionista, dizendo-lhe meu nome. Ela checou rapidamente para verificar se eu tinha reserva, me indicando o caminho para nossa mesa, que ficava no segundo piso. Não deu para ver o salão principal, que fica no térreo, pois a escada de acesso ao segundo andar está em um ambiente de passagem, na lateral do salão. Apenas cinco mesas no segundo piso. Três delas acomodavam duas pessoas cada uma, enquanto as outras duas tinham grupos de quatro e seis pessoas, respectivamente. Todas ocupadas. Fomos os últimos a ser acomodados no local. Ao lado de nossa mesa havia uma outra mesa de pedra que tinha um pequeno mostruário dos ingredientes que o chef Virgilio Martínez e sua esposa, Pía Leon, usam em seus pratos. Todos ingredientes peruanos, matéria prima para o menu degustação. Ao fundo, ao lado da saída da cozinha, uma vistosa adega. O garçom que ia nos atender se apresentou, checou nossas restrições alimentares, informando que naquela noite nenhuma delas fazia parte dos pratos que seriam servidos, entregou o cardápio do menu degustação, que constava de onze passos, com a indicação da altitude em que cada ingrediente principal do prato estava em relação ao mar, também entregou a carta de vinhos, dizendo, por fim, que havia uma proposta de harmonização dos passos com vinhos. Como é difícil fazer uma escolha de um vinho para acompanhar uma diversidade grande de pratos, não tivemos dúvidas em decidir pelo jantar harmonizado pela casa. E sem mais delongas, começou nossa experiência gastronômica. Sem abre-bocas, sem cortesia ou mimos do chef. Eis a sequência do Ecosistemas Mater:


01) Arañas de Roca - sargazo, lapa, cangrejo: -5 metros de altitude. A apresentação é linda, lembrando musgos e pedras na beira do mar. Trata-se de uma entrada fria, para comer com as mãos. Um creme de sabor leve feito com carne de caranguejo e de lapa, um molusco bivalvulado, servido sobre um tipo de biscuit bem crocante. Por cima do creme, pedaços de sargaço, ou seja, alga marinha. Gostei muito da mistura do creme com o crocante. Harmonizado com o vinho branco italiano Casal di Serra, safra 2012. Harmonização muito boa, levantando o sabor do creme no paladar.





02) Valle de Árbol - palta, ají panca, paico: 230 metros de altitude. O prato, apresentado em três pedaços quebrados, deu um toque especial na apresentação de três bocaditos feitos com abacate, em três texturas diferentes. Também para se comer com as mãos. Simplesmente divino. O abacate, em suas três apresentações, veio com sal no ponto. O ají panca, tempero muito utilizado na culinária peruana, dá um toque especial aos alimentos. Com este tempero, o abacate ficou suave, mas ao mesmo tempo picante. O paico é uma erva conhecida no Brasil como erva-de-santa-maria. Não senti um sabor forte, mesmo porque o abacate e o ají panca dominam no paladar.Também harmonizado com o vinho branco italiano Casal di Serra. Este casamento não funcionou muito bem, talvez por causa da untuosidade do abacate. Destaco o abacate coberto com cinzas. Sabor diferente, mas incrivelmente bom.




03) Selva Alta - yacón, bastón, corteza: 860 metros de altitude. A apresentação dá uma certa aflição, com uns gravetos parecendo larvas enfeitando o prato no qual estão dois pedaços de batata yacon defumados, servidos com casca. Também para se comer com as mãos. Sabor forte, que chega agredir o paladar. Também servido com o vinho branco italiano Casal di Serra, não harmonizou nadinha. Dos pratos salgados, foi o que achei dispensável, embora tenha achado interessante a forma em que foi feita a batata yacon, que, até então, só tinha comido crua em saladas.






04) Escama de Río - churo, gamitana, sangre de árbol: 180 metros de altitude. Apresentação bonita, com destaque para a cor lilás dos petiscos. Uma massa crocante com desenhos que lembravam as costuras artesanais de retalhos de roupas e bonecas nordestinas. A gamitana é um peixe amazônico, conhecido no Brasil como tambaqui. Aqui ele é servido em uma fina camada crocante, com creme de churo e seiva de árvore. Sabor sensacional. Crocante e suave ao mesmo tempo. Depois de comer, descobri que o tal churo era um caramujo de rio. Se fosse antes, creio que teria receio de comer este prato. Ótima harmonização, ainda com o vinho branco italiano Casal di Serra.






05) Altiplano y Ceja - tunta, achiote, coca: 3.900 metros de altitude. Chegou a hora dos pães, pensei que não viriam. Três pães diferentes, servidos com uma manteiga queimada e uma espécie de chutney salgado com ervas locais, com destaque para a huacatay. Um dos pães é feito de tunta, que é uma batata congelada. Este foi servido em forma crocante, com forte sabor do fermento, o que lhe conferiu um gosto azedo, que particularmente gosto muito. Outro é feito com milho. Não gostei, mais parecia um mini muffin. O terceiro e maior deles veio servido em um leito quente de folhas de coca, também feito com coca e com um corante natural, o achiote. Sem graça se provado sem passar nada. No entanto, tem outro toque quando degustado com o molho espesso de ervas. Os pães ficaram na mesa durante os próximos passos.




06) Suelo de Mar - almejas, pepino melón, lima: -20 metros de altitude. Primeiro prato da noite para comer com talher, tem uma apresentação muito bonita, com coloração amarela suave. O aroma estava muito agradável. A amêijoa é servida envolta em finas fatias de um melão peruano, chamado pepino-melão, com um toque de suco de limão. Sabor leve, marcante, persistente no paladar, adocicado no ponto, sem incomodar na boca. Harmonizou muito bem com o segundo vinho da noite, também branco, o alemão Reichsgraf von Kesselstatt, elaborado com a casta riesling, que tinha um leve frisante no paladar, o que limpava as papilas gustativas do sabor do molusco.




07) Tallo Extremo - oca, mashwa, saúco: 2.875 metros de altitude. Batatas peruanas em formas e texturas diversas, com destaque para as finas lâminas crocantes. Por cima das batatas, um leve molho de saúco, um fruto vermelho local. Delicioso. Um prato que ficou na minha memória afetiva, que vou recordar sempre. Harmonizou bem com o vinho branco alemão Reichsgraf von Kesselstatt.








08) Pesca de Cercanía - pulpo, coral, barquillo: -10 metros de altitude. Prato com linda apresentação, com cores vibrantes. Espuma de coral, polvo grelhado, servidos em um leito crocante de barquillo, um tipo de massa parecida com o beiju brasileiro. Antes de experimentar o prato, o garçom nos aconselhou a beber um caldo de peixe servido no mesmo momento. Morno, tinha um forte sabor de rio com coentro, o que foi fundamental para preparar o paladar para o polvo. Ponto correto do polvo, levemente salgado, combinando perfeitamente com o crocante da massa abaixo dele e com a suavidade do creme de coral. Perfeito. Harmonizou razoavelmente com o vinho tinto peruano Quebrada de ihuanco, safra 2014, elaborado com a casta quebranta, mesma que se utiliza para fazer o pisco. Embora tinto, o vinho é leve, não prejudicando o sabor do polvo.




09) Cordillera Baja - quinuas, rés, airampo: 1.800 metros de altitude. Último prato salgado da sequência. Um prato suculento, mas com aspecto feio. Três tipos de quinoas cozidas, servidas com carne bovina também cozida, com um molho delicioso feito com airampo, uma semente de cactus. Completou o prato um crocante de leite que não gostei muito. Como o prato é mais forte, pediu um vinho potente. Foi a vez de uma taça do argentino Altos Las Hormigas, safra 2013, da casta malbec. Excelente harmonização.



10) Alturas Verdes - lúcuma, cacao, chaco: 1.050 metros de altitude. A primeira sobremesa chegou com muita personalidade, com uma cor vibrante, vindo da lúcuma. Particularmente, adoro lúcuma, mas esta não mexeu com minha cabeça. O chocolate sufocou seu sabor. Muito chocolate. Fiquei empalagado, como dizem os argentinos. Para a harmonização, foi servido um vinho fortificado peruano, também elaborado com a casta quebranta, o Antiguas Familias. O vinho morreu com o chocolate.




11) Valle Entre Andes - raíces, sanki, sacha inchi: 2.190 metros de altitude. Três pequenos exemplares de sobremesas, com formas, cores, texturas distintas. Tudo feito com raízes e sementes peruanas. Sabores diferentes, inusitados. Deu prazer em degustá-los. Harmonização razoável com o vinho fortificado Antiguas Familias.






Durante todo o jantar, foi servida uma água que é engarrafada na fonte, filtrada, ozonificada e purificada pelo próprio restaurante.
Fim de uma experiência gastronômica única, na qual os sabores do Peru estão preservados de forma moderna e ousada. Com um rol extenso de pratos, é claro que alguns superam os outros e haverá divergências enormes nas percepções individuais de cada comensal que degusta o menu Ecosistemas Mater. Gostei muito do meu jantar. O chef merece os prêmios que vem colecionando desde que abriu o Central, em 2009.
Nosso jantar durou cerca de duas horas e meia. Ao final, a conta, sem gorjeta, ficou em s/. 950 (cerca de R$ 1.000,00, ou U$ 300). Caro, como já esperávamos. Serviço excelente.

Central Restaurante - Calle Santa Isabel 376, Miraflores, Lima, Peru - tel: +51 1 242 8515 - website: www.centralrestaurante.com.pe
Minha nota: 9,5.