sábado, 7 de maio de 2016

NOMA

Esta resenha foi escrita em setembro de 2014 e publicada em meu blog que conta minha rotina. Eliminei a postagem de lá e a removi para cá.



Quando decidi passar férias na Escandinávia, eu e minhas amigas decidimos também ir ao restaurante Noma, que à época (2014) figura va como o número 1 do mundo na lista publicada anualmente pela revista britânica The Restaurant Magazine. Sabíamos que seria difícil conseguir reserva, mas focamos neste objetivo. Pesquisando na internet e enviando e-mail para o restaurante, descobrimos que as reservas somente poderiam ser feitas três meses antes da data pretendida. Como estaríamos em Copenhague no final de maio, foi explicado que as reservas para todo o mês de maio começariam no primeiro dia útil de fevereiro. Olhamos o calendário: 03 de fevereiro de 2014, segunda-feira de Carnaval. As reservas só podem ser feitas via site, e tem início às 10 horas da manhã. Detalhe, horário da Dinamarca. Isto significava que seria às 06 horas da manhã no Brasil. Duas das amigas se dispuseram a tentar a reserva. As duas estavam a postos pouco antes do horário marcado, acessando o local da reserva, mas receberam a mensagem que ela estaria disponível somente às 10 horas (horário da Dinamarca). Uma das amigas, segundo relatou, conseguiu um acesso às 06 horas em ponto, quando recebeu seu número na fila de espera. Estava no posto 1.061 na tal fila. A outra só conseguiu o acesso um pouco mais tarde, recebendo um número bem superior ao da primeira. As duas ficaram desanimadas. Nossa primeira opção seria por jantar no dia 30 de maio, mas quando chegou a nossa vez, a noite deste dia já estava completamente lotada. Ela pediu reserva para quatro pessoas para o almoço deste mesmo dia, 30 de maio de 2014, uma sexta-feira, às 12:30 horas. Este é o horário para o almoço. Cedo para nós, mas era pegar ou largar. E, depois de irmos ao restaurante, concluímos que fizemos o melhor, almoçando ao invés de jantar.
Depois de receber um número de reserva, o restaurante enviou um e-mail contendo as regras, entre elas a necessidade de apresentar um número de cartão de crédito válido e a informação da data máxima para cancelamento. Após tal data, caso houvesse desistência, eles cobrariam o no show completo. Minha amiga enviou seus dados e confirmaram a reserva. Faltando cinco dias para nossa viagem, um colega da confraria decidiu se juntar a nós em parte do nosso roteiro, incluindo a Dinamarca. Tivemos que fazer uma ginástica para conseguirmos acrescentar mais uma pessoa na nossa reserva no Noma.
Com muita expectativa e tendo jantado no Geranium, o restaurante número 2 da Dinamarca, na noite anterior, fomos para o Noma (Strandgade, 93) onde chegamos após uma boa caminhada pelas ruas de Copenhague.
O restaurante fica em uma parte recuperada da cidade, no último prédio de uma espécie de dique às margens de um dos canais que corta a capital dinamarquesa. Uma das indicações no e-mail de confirmação era que a mesa somente era liberada quando todos estivessem no restaurante. Quatro de de nosso grupo chegamos antes, mas eles nos acomodaram assim que nos identificamos. O restaurante fica no térreo do prédio, com decoração simples, puxada para o estilo rústico. Nas mesas não há nada além da toalha. Como o menu é fechado, não há o que escolher. Um espumante de boas vindas foi servido, enquanto um garçom nos perguntou se alguém tinha alguma restrição alimentar. Respondi que não comia ostras, nem espinafre. Uma das amigas também tinha as suas restrições: ostras, escargot e pepino. Os demais não tinham nenhuma objeção aos alimentos. O garçom voltou e perguntou se aquelas eram restrições ou simplesmente não gostávamos do sabor do alimento. Eu respondi categoricamente que eram restrições, que eu tinha edema de glote. Nada melhor do que responder assim, pois não houve mais nenhum outro questionamento sobre restrições alimentares por parte do restaurante. Também tínhamos que decidir como seriam as bebidas. Três optaram por fazer a harmonização de vinhos sugerida no menu, enquanto eu e uma amiga também escolhemos uma harmonização, só que com sucos. Em seguida, começou o serviço, que duraria mais de quatro horas. Foram 24 pratos, a maioria deles para se comer com as mãos. Foi um festival de exotismo e de alimentos crus na nossa mesa. As porções eram pequenas e sempre uma unidade para cada um de nós. Para servir os pratos não há um garçom fixo para cada mesa. Eles fazem um rodízio, passando por todas as mesas. Desta forma, por causa dos variados sotaques, nem sempre era fácil entender o que era servido. Foram estes os pratos degustados:
01) red currant and green strawberry - bolinhas de groselha vermelha e pedaços de morangos verdes servidos em um molho bem ácido. Abre o paladar, saliva muito. Muito azedo.
02) nordic coconut - uma raiz de aipo furada como um coco, cujo canudo era feito do talo do próprio vegetal. Quando colocaram na mesa, pensei que era um enfeite. Dentro da raiz havia uma sopa gelada de aipo. Salgado e enjoativo.
03) sea buckthorn leather - nada mais do que um musgo frito. Tem uma bela apresentação, mas na boca desaparece assim que entra em contato com a saliva, de tão delicado que é.
04) flower tarts - uma torta de pétalas de flores coloridas. Entre a massa, bem fina, e as pétalas, havia uma espécie de pesto salgado, o que contrastou com o sabor adocicado das flores. Visualmente muito bonito, mas na boca soou sem graça.
05) mahagony clam - um molusco servido em uma vasilha com pedras, como se estivesse na beira do mar. O cheiro de maresia tomou conta da mesa. Como tinha aparência de ostra, embora o garçom tenha garantido que não era, não experimentei. Para mim tinha a aparência de ostra e cheirava como tal. A amiga que gosta muito de ostras, disse que o gosto também era de ostra. Ela ficou com a minha.
06) flatbread with wild roses - uma super fina massa de pão preto queimado encimado por pétalas de rosas grelhadas. Novamente o amargo do queimado do pão com o adocicado das rosas tornou o sabor um tanto quanto exótico. Foi o primeiro prato que gostei.
07) pickled and smoked quail egg - servido em uma vasilha de cerâmica que imitava um ovo enorme, vem um ovo de codorna defumado. O conselho foi colocar todo o ovo na boca e mordê-lo, deixando a gema líquida preencher toda a cavidade bucal. Razoável.
08) green asparagus and scallop - como era época de aspargos, este vegetal era onipresente nas mesas da Escandinávia e não seria diferente no Noma. Um talo de aspargos levemente cozido, garantindo que ficasse crocante ao mordê-lo, servido com uma vieira escura em pote separado. Bom.
09) white cabbage and samphire - um dos pratos mais inusitados do almoço. Folhas desidratas de repolho branco servidas achatadas e na forma de um sanduíche, cujo recheio era uma interessante pasta de funcho, cujo sabor era marcante. As folhas eram quebradiças, parecendo as asas de um inseto.
10) aebleskiver, lovage and parsley - versão do chef para uma tradicional iguaria natalina da Dinamarca, mas no lugar da maçã no recheio do bolinho, ele coloca larvas de gafanhoto ou abelha. Por cima do bolinho, há salsinha picada. Sabor adocicado, parecendo um bolinho de chuva. Muito bom.
11) bread with cream and crispy pork butter - pão da casa servido com manteiga e banha de porco. O pão era delicioso, com leve sabor azedo. A banha de porco é totalmente dispensável. Puro gosto de gordura na boca.
12) pike head - cabeça de lúcio, um peixe comum na Dinamarca. É servida grelhada em um espeto de madeira que vem no prato. O aspecto é horroroso. Quase não tem carne, apenas na parte da bochecha. Detestei.
13) burnt leek and cod roe - alho poró queimado e ovas de bacalhau. Outro prato inusitado, com mistura de sabores. Tem o doce, o salgado, o amargo, tudo junto. O garçom nos explicou que a parte para comer estava encrustada no vegetal. Eram quatro pedacinhos dentro de um alho poró bem grande. Gostei. Este prato fez a transição para os pratos que exigiram talher para comê-los.
14) shrimp and ramson, radish and yeast - mini camarões (estavam escondidos debaixo das folhas verdes), folhas de ramson (um vegetal local), rabanete e leveduras. Prato leve, com sabores delicados.
15) white asparagus, black currant leaves and barley - aspargos brancos, folha de groselha preta e cevada. Sem graça e mais um aspargo no cardápio.
16) beef tartar and ants - tartar de carne de vitelo de duas semanas salpicado com formigas fritas. A acidez das formigas amenizou o sabor doce da carne macia do vitelo. Apesar de causar uma certa repugnância no início, gostei do sabor.
17) beetroot, sloe berries and aromatic herbs - mais um prato recheado de vegetais e sem muita graça. Beterraba, frutas do bosque e ervas aromáticas em bela apresentação visual.
18) egg and fresh greens - outro prato onde o ovo é a estrela (algo muito comum nos restaurantes estrelados da atualidade). Aqui ele é servido cozido, apenas a metade, com a gema bem amarela, rodeado de folhas verdes e flores. Dispensável.
19) turbot and nasturtium, cream and wood sorrel - último prato quente do almoço. Mais um prato praticamente sem tempero. Um peixe local chamado turbot, em cozimento perfeito, veio servido em leito de azedinha, banhado em um caldo transparente, colocado no prato na nossa frente.
20) finas torradas com flor de sal serviram para limpar o paladar para a sequência doce.
21) rhubarb and sorrel, crème fraîche and spanish chervil - foi o prato mais bonito do almoço. Uma rosa feita por ruibarbo foi servida mergulhada em um creme e acompanhada por folhas verdes. O ruibarbo também é outra iguaria onipresente nas mesas escandinavas nesta época do ano.
22) aronia berries and söl - um pudim de uma fruta do bosque típica da Escandinávia, parecida com o mirtilo. O pudim era totalmente sem graça.
23) danish pastry - uma "orelha de elefante", muito comum no café da manhã dos dinamarqueses. É uma espécie de pão doce.
24) pururuca frita levemente coberta com chocolate e pedaços de aronia - prato de inspiração mexicana. Gostei da mistura do salgado e da gordura da pururuca, do azedinho da aronia e o doce do chocolate.
Como escrevi acima, todos os meus pratos foram harmonizados com sucos. Para minha surpresa, nenhum dos sucos era doce. Os primeiros eram verdes, feitos com verduras, folhas e temperados. Depois veio um suco de maçã, também salgado, que cedeu lugar para uma sequência de sucos amargos feitos com as frutas da família berry. Para dizer a verdade, não gostei de nenhum suco, mas eles harmonizaram muito bem com seus respectivos pratos.
Para finalizar, alguns pediram café. Não há espresso. Foi servido uma bebida tão rala que pensei que fosse chá.
Antes de pagarmos a conta, cumprimos o ritual da casa, quando um garçom nos guiou por todo o restaurante, desde a recepção, passando pelos vestiários, pelos depósitos de alimentos, pela grelha onde são feitas as cabeças de lúcio, até as várias dependências da cozinha, onde encontramos uma equipe alegre e proveniente de vários locais do globo. Ao todo, naquela época, havia 22 tipos de nacionalidades diferentes trabalhando no Noma. Ainda conhecemos o laboratório de testes do chef René Redzepi, que lá estava e foi muito simpático posando para fotos conosco, além de falar um pouco do quanto ele admirava os chefs brasileiros Alex Atala (D.O.M., Riviera Bar Dalva e Dito) e Helena Rizzo (Maní).
Voltamos para nossa mesa, onde estava impresso um menu do dia para cada um de nós. Pagamos a conta no total de 14 mil coroas dinamarquesas, algo em torno de R$ 5.800,00 (valor da época, ou seja, de 2014). Muito caro. 
Lógico que nosso assunto ao sair do restaurante foi o que cada um achou do Noma. No geral, ninguém morreu de amores. Digo que foi uma experiência gastronômica, fato que eu tinha que vivenciar, pois curto muito conhecer restaurantes vencedores de prêmios, mas não volto. Indico apenas para os que gostam de experimentar sensações e sabores diferentes no quesito gastronomia.

Noma - Strandgade, 93, Copenhague, Dinamarca - Telefone: +45 3296 3297 - Website: noma.dk 
Minha nota: 6.

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